Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.
Sempre tive livros.
A minha família (pais, primas, tios..) teve, em vários natais e aniversários, a brilhante ideia de me entregar uns embrulhos, muito bem feitos, de cantos direitinhos e bem definidos que, sem surpresas, deixavam adivinhar o seu conteúdo (um livro) mas abriam todo um mundo de possibilidades: será um livro de quem? sobre quê? e as personagens? que aventuras conta?
Também herdei vários livros das minhas primas (eu sou a mais nova, é natural que acabasse por herdar muita coisa :)) deixados ao acaso em casa da minha avó.
O que encontrei devorei sempre com sofreguidão. Acompanhei as peripécias da Anita, as aventuras d'Os Cinco e d'Os Sete, as desventuras da Cláudia, segui as gémeas, o Chico, o João e o Pedro n' Uma Aventura de cada vez.
Um dos meus livros favoritos da adolescência ainda ocupa um lugar de destaque no meio do caos organizado que é o meu repositório de livros. Chamava-se qualquer coisa como "Os meus quinze anos", falava de poesia, de paixões platónicas (como convinha a essa faixa etária) mas com a promessa de serem correspondidas num futuro não tão longínquo.
Num determinado aniversário as minhas primas (Deus as abençoe pela brilhante ideia) ofereceram-me dois livros da Agatha Christie. Aqueles da Vampiro Gigante, com palavras por vezes incompletas por falha de impressão, alguns erros de tradução que tanto prazer dão a corrigir e expressões que só se encontram nestas edições. Delírio. Acabaram por lançar algo em marcha que só terminou no verão passado: finalmente consegui completar a colecção, 40 volumes.
Na altura, para não ter de esperar pelo próximo aniversário, comecei a frequentar a biblioteca cá do burgo. E, para além de várias aventuras do Poirot, da Miss Marple, do Superintendente Battle, do Tommy e da Tuppence, começaram a ir comigo para casa uns volumes brancos, fininhos, de poesia, que estavam sempre disponíveis na biblioteca (nunca ninguém os requisitava?) e uns maiorzinhos, que traziam consigo a vida e o calor de outra parte do mundo.
Assim segui, num dos meus primeiros livros de "gente crescida" a complicada mas fascinante saga dos Buendía, através de cem anos de soledad. E assim me encantei por Gabo e, por inerência, por mais alguns autores que conseguem transmitir as cores, os sons, os odores da literatura latino-americana.
E assim descobri Eugénio de Andrade. E descobrir Eugénio com 14/15 anos é algo de fascinante. O poder evocativo das palavras, as sensações que ansiamos por descobrir e vemos ali, no papel; e como fazem eco na persona que vamos construindo e em que nos vamos tornando. E os poemas que líamos com os olhos arregalados, com a inocência, o desejo e a curiosidade. E a forma como há sempre um conjunto de palavras dele, um poema, que se encaixa em determinados momentos da nossa vida, como se tivesse conseguido, a priori, fazer um instantâneo dessa ocasião. E as palavras. A importância das palavras.
Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar.
Para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar.
Para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.
São três, quatro palavras. Pouco mais.
Comentários
saudades.
um abraço.
João
osdiasdasnoites.