abro o livro que trago na mala numa página a três quartos da capa e leio algo sobre as certezas de sabermos quem somos na madrugada que construímos. com as nossas mãos e os silêncios entre as nossas palavras. e penso em todos os momentos em que me fiz depender das palavras de outrem. nas esperas por aquelas que só surgiam em momentos de fragilidade alheia. nos excessos de zelo que tornaram outras banais. nos silêncios gastos por tanta inquietude. nas mãos [o que mais recordo das pessoas que se cruzam comigo são as mãos. gosto de mãos. do que fazem. mais ainda do que poderiam fazer se cumprissem as promessas que trazem em si. ] que deixaram as minhas vazias. não dando nada. nem o seu calor. neste segundo em que me perco pela janela e sinto, mais do que vejo, o cair da noite sobre o caminho, penso em todas as palavras que não me foram ditas senão a custo ou repetidas até à exaustão. nos silêncios que a ausência delas poluiu. nas mãos repletas de toques sempre rasgados. e sei que não iremos ter pressa. nem medo. eu e tu. de pronunciar as palavras na altura certa. sejam quais forem as correctas para nós e seja o momento a estação que tiver de ser. porque nas nossas mãos (embora vazias) correm os gestos de que sabemos ser capazes. porque os nossos silêncios nunca serão ausentes de sentido nas madrugadas. porque tu e eu somos feitos de todas as pessoas que sentimos. de todas as que vivemos. e temos ambos consciência disso.
sozinha no [meu] sossego do quarto sinto as palavras a redemoinhar à minha volta. vou-as apanhando uma a uma, aconchegando-as em ramalhetes simples, o mais simples possível. chamam-me da sala, onde as palavras dos outros me fazem, por momentos, esquecer a ordem das minhas. pego na caneta e só consigo escrever [vazio]. ponho as minhas coisas debaixo do braço e a meio do corredor já as sinto [às palavras], em pézinhos de lã, a voltarem comigo [para mim].
Comentários
Como sempre acompanhado por grandes fotos!!
:)
e. bow. the letter.
joao
osdiasdasnoites